Novíssimos

18 abril 2010

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"(...) He did not know that the new life would not be given him for nothing, that he would have to pay dearly for it, that it would cost him great striving, great suffering.
But that is the beginning of a new story—the story of the gradual renewal of a man, the story of his gradual regeneration, of his passing from one world into another, of his initiation into a new unknown life. That might be the subject of a new story, but our present story is ended." [F. Dostoiévski]

E essa estória acaba por aqui... Vamos passar a página: http://misterioluminoso.blogspot.com/

O ser do ente

10 março 2010

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"O nada nadifica" - Heidegger.

Cena: aula de filosofia no prédio da faculdade de filosofia da USP.

O professor diz:*

- Heidegger diferencia o Ser do Ser do ente. O Ser do ente é aquilo que se põe, que se manifesta no encobrimento e no desencobrimento do Ser. O Ser está para além do Ser do ente; nós só vemos o Ser do ente. Heidegger critica toda a filosofia ocidental desde Platão dizendo que essas filosofias metafísicas só se perguntaram sobre o Ser do ente, e nunca sobre o Ser. Sendo matéria de interrogação somente o ser-aí-no-mundo (daisein) e nunca o Ser enquanto É. O É é o são. O São do Ser que É enquanto existe. Para Heidegger o único ser que existe é o homem, e o resto são Ser do ente. As filosofias cristãs diziam buscar o Ser, mas apelavam para Deus [risadinhas irônicas]. Deus era identificado com o Ser como um atalho, uma saída, mas na verdade se continuava somente na interrogação pelo Ser do ente enquanto sendo e não pelo Ser enquanto É. Heidegger via a necessidade de retomar os pré-socráticos, e ele se põe a pergunta de como seria possível fugir do pensar tradicional e voltar a pensar o Ser enquanto questionamento.

Um aluno levanta a mão e pergunta:

- Desculpa, professor, mas é que o senhor falou do Ser tantas vezes que acho que me confundi. Eu não consegui entender; afinal, o que é o Ser para Heidegger?

O professor gargalha e responde:

Mas é exatamente isso! Não tem significado! Não se sabe o que é o Ser. Nós não sabemos o significado. O que você me faz é uma pergunta óntica: o que é o Ser?! Essa é a questão, não existe significado para o Ser! Uma vez um autor provou que o "nada" de Heidegger não significava nada! [risadas] E é isso mesmo, ele provou que Heidegger estava certo, porque o nada realmente nada significa!

Eu me levanto rindo e saio da sala.

***

Muito bem, professor

você me ensinou

quem é o ser doente.

*Texto reconstruido a partir de citações anotadas em aula.

Dançando no escuro

07 março 2010

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Por que se há algum vídeo que precisa estar nesse blog, é este:

Autobiografia - cena I

24 fevereiro 2010

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Ouvia-se o choro sofrido de todos os cantos do pequeno apartamento quadrado de quinto andar. Ela tapou os ouvidos num ato de desespero - o choro abafado gritava mais alto por não ser atendido. Deixou então os braços cairem ao lado do corpo como quem desiste de se defender e caminhou até o berço. Tirou dali, com os braços derrotados, aquele corpo miúdo e quase decidida - como quem se livra da prova dum crime - foi para a janela. O chorou cessou.

A lua minguava no céu - aquela lua que tantas vezes serviu de alento - aquela lua agora era pálida, meio morta, indiferente. E as duas, meio vivas, se balançavam indecisas entre o calor abafado do apartamento de quinto andar e o frio refrescante da noite, do pátio vazio, da lua que morria.

Outro berro e o choro preencheu novamente seu corpinho fraco, faminto. Já pequena ela descobria que o sentido da sua vida era continuar viva, e chorava. O pior sofrimento que já conhecera até então, a fome, foi naquela noite vencido pelo pavor da morte iminente.

E pela primeira vez na breve vida ela chorou não por seu corpo, que pendia fraco, mas por sua alminha recém-nascida.

O tronco do diabo

05 fevereiro 2010

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Era uma casa velha, e como toda casa velha era feita de madeira e gemia a cada pisada. Julio gostava de subir e descer a escada que levava aos quartos. Paula, por sua vez, não saia da janela onde se pendurava para observar o enorme quintal que se estendia atrás da sua nova casa velha. Ainda mais velha era a árvore que ocupava o final do terreno - o jardineiro havia dito que já estava ali antes mesmo da casa ser erguida e que parte do assoalho provinha de seus galhos grossos e escuros. E Paula não saia da janela...

Por serem da mesma idade os dois irmãos dormiam no mesmo quarto. Julio bem que podia ter um quarto de menino se quisesse, mas a vontade de ficar junto da irmã o fazia suportar com gosto aquela decoração cor-de-rosa; era durante a noite, afinal, que mais se precisava de companhia.

- Julinho? Já dormiu? - ela sussurrou da janela - você dormiu? - o menino soltou um gemido que poderia dizer qualquer coisa e então ela continuou - acho que vi a árvore se mexer.

Julio levantou os olhos - É por causa do vento. Não é?..

- Não, não tem vento. E está mexendo outra vez...

Ele pulou da cama e empulerou na janela. Assustado  viu os grandes galhos balançarem como braços enormes teteando no escuro. O crepitar de folhas secas podia ser ouvido e uma rajada repentina de vento gelado os fez abandonar a janela e fechar a cortina com pressa.

Dali os dois se enfiaram nas cobertas e não pregaram o olho até que o dia clareasse. Na primeira hora da manhã cruzaram o quintal na direção da árvore. Era enorme e antiga como se vivesse há muitos séculos, seu tronco era escuro e escamado, todo retorcido em nós que, estranhamente... lembravam rostos humanos!

Os meninos sentiram um calafrio percorrer a espinha: eram feições infantis contorcidas em dor e agonia e cravadas naquele tronco tenebroso. Alguma sensação de terror recém descoberta os fez correr para longe dali. 

Mas as horas passaram e mais uma noite caiu. E eles agora podiam ouvir o grito abafado de crianças desesperadas, enquanto os galhos se chacoalhavam nas trevas daquele quintal de casa velha. Julio saiu do quarto sob os protestos de Paula. Ele havia tomado a decisão repentina de enfrentar o próprio medo e ver de perto se tudo aquilo era mesmo... era mesmo tudo aquilo. Julio era um rapazinho corajoso que infelizmente nunca mais foi visto.

Passado um mês do sumiço do irmão Paula resolveu contar ao jardineiro tudo o que havia acontecido. Encostando o machado no chão e se empertigando, ele começou a retalar essa estória:

Há muito tempo atrás, essa região que agora é de fazenda, era uma grande e densa floresta, refúgio de feras e de um grupo de bruxas cruéis. Essas bruxas celebravam a juventude sacrificando crianças e bebendo seu sangue. Mas queriam mais. Queriam também a conservação de seu templo. Por isso escolheram a mais forte e vigorosa das árvores e a ofereceram em ritual ao diabo, que desde aquele dia passou a habitar em seu tronco. Dali por diante as bruxas ofereciam as crianças para a árvore, que as engolia e extraia o sangue vagarosamente para gerar frutos malignos que alimentavam a juventude das bruxas.  Depois de certo tempo a floresta foi destruida, as bruxas queimadas e a árvore parou de dar frutos...

Paula estava apavorada ao final da estória, mas o jardineiro riu e completou - mas é claro que isso tudo não passa de lenda... 

- Pois vamos ver! - Ela pegou a tesoura de jardinagem e correu para os fundos do quintal. O jardineiro a seguiu. Ao cravar no tronco a tesoura afiada, no lugar dum filete de seiva, jorrou sangue. A árvore se contorceu num urro de dor.

No dia seguinte estava tudo pronto, um machado novinho esperava pelas mãos firmes do jardineiro que, ao cair da tarde, começou a aplicar golpes certeiros no tronco velho. Muito sangue jorrou, muito choro e gritos de muitas crianças foram ouvidos. Num baque surdo o tronco pesado tombou morto sobre a terra fofa do quintal. Os nós se retorceram pela última vez, dando àquelas feições a derradeira chance de descansar em paz.

Mas dentre as dezenas de rostos um nunca sairá da memória de Paula: o rosto de Julinho, enegrecido, esculpido no tronco do diabo, simbolizando a vida verde colhida antes do tempo.

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Livre adaptação de "A estória da árvore" contada pelo Tio Ito quando eu tinha sete anos.

Música das férias

31 janeiro 2010

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 Só pra fechar com chave de ouro


Aah, a infância carioca...

nevermore

16 janeiro 2010

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"Be that word our sign of parting, bird or fiend!" I shrieked, upstarting--
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul spoken!
Leave my loneliness unbroken! -- quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the raven, "Nevermore."


O fantasma do teatro

30 dezembro 2009

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"Há algo de podre no reino da Dinamarca"

Como não podia deixar de ser, começo o texto sobre Hamlet falando do fantasma; essa figura mórbida que introduz, já na primeira cena, todo o clima do drama: a natureza diabólica, que oscila entre o risível e o terrível, e assombra todos a quem toca.

Quando o fantasma lhe aparece, o jovem príncipe ainda está de luto pela morte do pai. Enfraquecido e sensibilizado, ele se agarra à esperança de estar vendo o honrado pai morto naquela figura que, ao decorrer da peça, fica cada vez mais distinta daquela do Rei Hamlet. Com a revelação do crime e o pedido de justiça do fantasma - que o orienta a matar o tio em nome da honra - se dá início ao confuso caminho traçado pela personalidade deformada do príncipe, que fará tudo aquilo acabar em tragédia.

Hamlet tem um incrível desenvolvimento psicológico durante a peça, de melancólico passivo se torna louco irado, e da loucura volta a melancolia. Sua loucura, que ao início é uma máscara para esconder seus macabros planos de justiça acaba por consumi-lo, porque no lugar de justiça o que ele quer é vingança. O tempo todo esse personagem é guiado por seus desejos baixos e mesquinhos, em nenhum momento se comporta como um príncipe, em momento algum percebe seu papel e responsabilidade naquele emaranhado costurado pelo destino. Se batendo de cá pra lá, suborna sua consciência durante todo o tempo, dizendo que faz algo nobre quando por dentro o consome a chama do ressentimento. 

Seu descontrole é tão intenso que ele acaba por perder miseravelmente tudo. Perde um bom e fiel conselheiro do trono, matando-o com os próprios punhos num ataque em parte fingido, em parte real. Perde a mulher que o ama, lançando-a em desgosto tão profundo que a faz surtar e cometer o pior dos crimes. Perde aquele que seria seu virtuoso cunhado, perde a mãe, perde a si mesmo. E ainda perde o reino de seu pai, entregando a coroa a um príncipe derrotado em batalha! 

Como diríamos hoje em dia: o Hamlet é um desastre! Ele faz tudo errado desde o início, e o início é o fantasma, então vamos voltar a ele.

Esse pitoresco personagem, que aparece nas horas mais sensíveis e fracas do príncipe, é o símbolo da imagem, da ilusão, do engano. Transvestido de pai, como um palhaço se transveste de rei, ele joga com os desejos de Hamlet e se torna a causa de toda catástrofe. Seu procedimento, apesar de não anunciado, é diabólico: mistura mentiras e verdades, incita uma paixão baixa com justificativas racionais, causa a destruição e depois some. É ousado dizer que aquele fantasma é na verdade um demônio? Que o verdadeiro pai de Hamlet está agora em paz, queimando no fogo do inferno? É. Mas não consigo parar de pensar nisso, visto o caráter do fantasma e seus meios de ação. Visto como ele é deformado e ridículo. E vendo como ele destrói a pouca estabilidade do príncipe com uma destreza espetacular, falando só o necessário para que o caos se instale no reino da Dinamarca.

(É claro que aqui caberiam boas discussões sobre a cultura cristã da época e como o público de Shakespeare via o fantasma, - pois que eu saiba, no cristianismo, esse tipo de aparição é demoníaca e ponto. - mas isso não é assunto para um blog.)

Hamlet passa de vítima a culpado de toda aquela situação, sua fragilidade e moleza espiritual é um bom exemplo de como tudo pode ser arruinado pela falta de prudência e comedimento. É indiscutível que ele devesse matar o tio e exilar a mãe, mas não deveria fazer isso por ódio ou vingança, e sim por dever de restituir o poder a quem é devido - no caso a ele mesmo. A grande mensagem que vejo nesse drama é que não importa muito o que se passa por fora; se suas intenções não são honestas, também não serão os seus atos. E por mais que os atos à primeira vista pareçam nobres eles acabam, ao final, por revelar a sujeira que os motivou.

Para mim Hamlet é, acima de tudo, uma estória sobre o duelo do homem com sua consciência. Um enredo que ensina por negação. Que mostra os caminhos que levam à perdição e nos previne contra a nossa fragilidade diante de nós mesmo.

Segundo o Wilhelm, o Hamlet é gordo. O Hamlet é gordo! Eu nunca pensaria nisso, mas se encaixa perfeitamente.

Coisas das férias

29 dezembro 2009

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O Juri

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 Não há na vida pior sensação que a de ser observado, ameaçado, julgado, condenado. A única coisa que pode ser mais terrível é descobrir que o grande crime que te torna execrável foi aquele que eles mesmos te ensinaram, repetindo e repetindo durante a vida toda: seja você mesmo. seja natural. seja autêntico. tente ser feliz!

Vamos lá, tente! Seja quem você é e veja como acaba.


Para que quiser a letra em português: aqui.

Quanto a mim, estou caindo fora dessa loucura.