Ah, a escravidão...

Nada melhor do que uma feminista com um discurso engajado sobre independência e liberdade se contradizendo em alto e bom som ao falar de educação "infantil" (e ela é professora):

"Mete a porrada mesmo. Mete a porrada nela! Eu meto a porrada! Se falar o que eu não gosto eu desço a mão pra aprender a me respeitar! Vai fazer o que eu quero; sou eu quem pago as contas, sou eu quem sustento, a casa é minha... Eu meto a porrada! E ai de quem falar alguma coisa!"
[Fala dela, na minha frente, em um barzinho descontraído, para responder ao comentário do meu pai sobre um dia em que o enfrentei por causa do namorado.]

Ah, a escravidão... Quanto tempo eu não ouvia a ignorância do interior ganhar voz e se sobrepor a tudo, gritando a ideologia do resto do país!
Enquanto ela falava eu não acreditava estar realmente ouvindo aquilo, sabe. Eu tenho vinte anos, sou praticamente casada, toco minha vida bem longe desse finzinho de mundo; conheço coisas que ela, coitada, nem sonharia conhecer. Mas, superando todos os limites das convenções sociais aceitáveis, tive que ouvir "Mete a porrada nela!", e ficar quieta.
Onde estava o guarda para eu acenar e ele a levar para a cadeia como o garçon leva para pia os copos sujos de chope?
Cadê a lei para engaiolá-la por apologia a tortura, cativeiro e coerção? Para retirá-la da sociedade civilizada por incentivo à escravidão?
Não havia ninguém. Não havia nada. Somente o som fraco da viola da cultura tocando e ritmando as suas palavras. O peso daquele som ideológico que me fez calar a boca por medo de... de que mesmo?... Ah! dela "meter a porrada!"
E eu que achava que a escravidão tinha acabado.