Wilhelm Meister

27 setembro 2009

Sempre me debati com o problema do livre-arbítrio. Sempre revirei os sistemas filosóficos que me chegavam às mãos na tentativa de extrair material para pensar o assunto. Imaginem a minha surpresa ao, inadvertidamente, me deparar com este trecho enquanto lia Goethe neste sombrio fim de semana:

"- Não se trata aqui do que creio, nem este é o lugar para lhe explicar como procuro tornar de certo modo concebíveis coisas que fogem à compreensão de todos nós; a questão aqui é saber qual o melhor modo de representação para nós. A trama deste mundo é tecida pela necessidade e pelo acaso; a razão do homem se situa entre os dois e sabe dominá-los; ela trata o necessário como base de sua existência; sabe desviar, conduzir e aproveitar o acaso, e só enquanto se mantém firme e inquebrantável é que o homem merece ser chamado um deus na Terra. Infeliz aquele que, desde sua juventude, habitua-se a querer encontrar no necessário alguma coisa de arbitrário, a querer atribuir ao acaso uma espécie de razão, tornando-se mesmo uma religião segui-lo! Que seria isto senão renunciar à própria razão e dar ampla margem a suas inclinações? Imaginamo-nos piedosos, enquanto avançamos, vagando sem refletir, deixando-nos determinar por contigentes agradáveis, e acabamos por dar ao resultado de uma tal vida vacilante o nome de uma direção divina."

4 respostas:

Rafael Shimoda disse...

Parece a idéia de Necessidade nos gregos!

Day disse...

Qual era a idéia de Necessidade dos gregos?..

Rafael Falcón disse...

Impressionante. Não parece nada que eu já tenha lido, com exceção da definição de Deus de Eliphas Lévi (necessidade absoluta e liberdade absoluta, concomitantemente).

O mais interessante é a divisão do homem em duas faculdades; uma que seria a razão strictu sensu (capacidade de armazenar experiências passadas e abstrair leis gerais delas, usando-as em experiências novas) e a outra, que seria a percepção pura e intuitiva da realidade, que a aceita independentemente dos preconceitos. Uma espécie de razão prática, direta, que é na verdade a condição de possibilidade da razão strictu sensu.

Quanto à religião do acaso, Goethe de fato parece ter determinado o que é o comportamento dos animais; eles jamais agem de outro modo senão com a pureza intuitiva. Isso é obviamente suficiente para uma vida de bicho.

Mas ele ainda determina como o acaso vira religião: pela atribuição de algo racional a ele. Porque a verdadeira religião há-de ser algo racional, e na verdade a coisa mais estável e funcional possível. A religião é pura necessidade, é o absoluto; Goethe, a quem a mística não era desconhecida, sabia bem disso.

Porém quem procura Deus no acaso não achará senão um demiurgo, um Deus gnóstico que abandonou sua criação, em suma, um diabo, um satanás ignorante e inconstante, traiçoeiro e perigoso. Um Deus, por fim, que habita as trevas da nossa própria ignorância.

Day disse...

Isso dá um mestrado.

Indica pro Guilherme.

=)